Pages

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Cuspiram no meu fast-food! E agora?


O exercício da advocacia vem acompanhado de seus próprios dilemas. Um desses, é o dilema da comunicação. É preciso flexibilidade para se colocar entre o cidadão e o Estado-Juiz.

A flexibilidade é necessária porque os fatos da vida estão codificados. Relegada a assessoria jurídica até mesmo o direito mais cristalino pode se perder. Especificamente, no dia a dia da relação cliente-advogado, o código é o “processo” - ou sobre como transcrever a situação da vida em direito.

Nesses parágrafos, não pretendo tocar a ciência jurídica para conceituar o que seja “processo”. De maneira mais pragmática preciso me dirigir ao cliente leigo, para esclarecê-lo sobre o contexto de seu direito. Por isso, soa mais compreensível falar sobre fast-food.

Moro (1° pessoa do singular do verbo “morar") em uma cidade no interior do estado mais rico do Brasil. Há poucas semanas houve aqui a inauguração da primeira loja de uma rede ianque de fast-food. O sucesso não poderia ser maior. Relato de filas, diariamente.

A aceitação das redes de fast-food é uma incógnita. Não fazem bem a saúde. Nem sempre são as mais saborosas. E no caso brasileiro, costumam pesar no bolso. Ainda assim, como a propaganda é forte e o “processo” de montagem do alimento permite o mesmo padrão em todo lugar, as pessoas parecem venerar o fast-food.

A expectativa de visitar uma loja dessas na capital paulista precisa ser semelhante a ida na unidade do interior. É esse “processo” que leva as pessoas ao delírio. O padrão de montagem, as luminosas e o molho de acompanhamento. Tudo isso cativa.

Igualmente, um processo judicial se levanta da mesma maneira. O terno, a formalidade e o magistrado. O entusiasmo é menor, mesmo porque a demora nos provimentos costuma imperar. No entanto, sempre se espera resolver algum conflito com o processo judicial.

Essas duas realidades, distintas em diversos aspectos, comungam por dependerem do “processo”. Sem essa baliza, não haveria fila quilométrica. Se se constatasse que durante a montagem de hambúrgueres os colaboradores daquela rede cospem nos lanches – perdoe-me o exemplo grosseiro – é certo que não haveria satisfação para o consumidor.

Do lado de cá, no âmbito das letras jurídicas, não satisfaz tomar nota da parcialidade do Estado-Juiz. Cusparada em fast-food merece apuração e reparação. A quebra do dever de imparcialidade do Estado-Juiz também. 

Se a violação do "processo" não é bem vista acolá, por que deveria ser aqui? 

domingo, 26 de maio de 2019

Sobre ensaios e insights


A capacidade de compreensão exige do intérprete a leitura. Leitura como diagnóstico. Mas não apenas. Leitura também como exercício e questionamento. Por óbvio, isso não se deve fazer sem critério, amostras ou evidências.

O cenário político do Brasil, após um recorte de relativa estabilidade (1995-2012), carrega o histórico recente de batalha. Esse entrave mais parece ligado às insígnias, que propriamente a essência das questões que assolam nossas vidas. Não deveria exigir tanto do senso comum, mas isso me parece importante.

Seres humanos pretensiosamente vivem sob a escusa da “aparência” – Adam Smith já denunciava. Não se pode afirmar que essa seja característica do povo brasileiro. Mas se pode observar que é tópico potencializado em terras canarinhas. Veja que sair às ruas em protesto contra a corrupção, pode parecer ato bem feito ainda que se traje camisa da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

Entendo, caro leitor. Soa como preciosismo. Todavia, ainda estamos a falar da capacidade de leitura. É compreensível que a Seleção Brasileira de Futebol seja símbolo do nosso país. Não é compreensível, protestar pela retidão, carregando a logomarca da CBF no peito, entidade privada, mergulhada numa série de denúncias internacionais sobre desvio e lavagem de dinheiro.

Em tempo, é aqui que a insígnia importa mais que a questão. A esta altura, associar-se à nomenclatura militar, aos interesses estadunidenses ou a qualquer coisa distinta de “Cuba”, “Venezuela” ou “esquerda”, rende mais que o patrimônio daquela jovem dos vídeos.

Não se sabe até que ponto tudo não seja “massa de manobra”. Aliás, não se sabe até que ponto isto não seja ensaio para passos mais contundentes. Políticos da pós-verdade, além de sentimentos, costumam brincar com dados e a rede.

O insight pode ser o estopim. Afinal, é mais fácil mover a opinião pública que o Congresso Nacional? O que acha de votar a próxima Lei Maior na tela de seu smartphone? Bastante atrativo, não? É algo novo, com ares de modernidade. Não é algo necessariamente bom.