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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

U2 "The Playboy Mansion" - Quando o dinheiro compra o paraíso.

"The Playboy Mansion" - Pop, 1997


Capa de Pop, 1997

O U2 dos anos 90 foi deliberadamente diferenciado. A banda vivia uma onda mais ousada, época de testes, reflexões e críticas. "The Fly" e "Numb" acabaram sendo explícitas em seus propósitos - "The Fly" nem tanto, mas vale a resposta pessoal aos críticos - no entanto, esse U2 não parou por aí.

Uma canção porém, merece entrar pra esse rol, geralmente ela passa por despercebida na que para muitos é a pior década da banda, entretanto seu contexto justifica. Trata-se de "The Playboy Mansion".

Fantástica essa faixa! Uma letra que traz a tona os vícios da sociedade naquele momento - que se mantém. A turnê Zoo TV já havia ilustrado o que era aquela época de telas e propaganda para todo lado, mas o álbum Pop veio para coroar a série de críticas à década.

"Playboy Mansion", em especial, discute o novo sentido que a espiritualidade ganha na sociedade materialista. Nela, elementos do culto religioso são associados às figuras do capitalismo. Assim, por exemplo, a Coca é um mistério - como os contemplados nas orações - e a história, vejamos, é Michael Jackson. 

Completam os versos seguintes: "Se a beleza é verdadeira / E a cirurgia fonte da juventude", após cumprirmos todos esses requisitos: "O que eu faço? / Tive eu a honra de atravessar / Os portões daquela mansão?"

Em sete versos Bono esclarece sua proposta. Numa série de associações que confunde o sagrado com o material, o objetivo é mostrar que na verdade o paraíso está aqui, e é a famosíssima Mansão Playboy. Símbolo do poder terreno, da liberdade e do desafio. O verdadeiro objetivo.


A revista Playboy é até hoje considerada um símbolo da liberdade.

Entretanto, a letra não se encerra aí. O restante vem reiterar como o paraíso recebe forma mundana. Referências como "Big Mac" e "O.J. Simpson" - OJ textualmente na canção como OJ de Orange Juice - complementam a noção popular a que se pretende.

O trecho que volta a questionar duramente o modo de vida é: "Chance é um tipo de religião / Onde você está condenado pelo simples azar / Eu nunca vi aquele filme / Eu nunca li aquele livro / Amor, desça aqui / Deixe meus números aparecerem" que provoca o sentido efêmero e aleatório da vida. Por isso mesmo "Não sei se posso aguentar / Não sei se sou tão forte / Não sei se posso esperar tanto / Até que as cores fiquem reluzentes / E as luzes se acendam".

Morrer, com certeza esse não é o desejo mais frequente quando se almeja uma condição melhor. Enxergar as "luzes" a que Bono alude, de acordo com muitas religiões não é algo que se faça na Terra, certo? Que se fazia na verdade, porque com a Mansão Playboy e todo o complexo em que vivemos isso é sim possível. Ou parece, pelo menos. "É quem você conhece que o faz atravessar / Os portões da mansão Playboy / Então não haverá tempo para a tristeza / Então não haverá tempo para a vergonha".

Viver é difícil, não escolhemos onde nascemos, nem qual a nossa condição social. Ricos, pobres, enfim, podemos nascer com qualquer status, e inclusive ganhar um novo, seja com esforço do trabalho - ou pela ausência dele - ou mesmo, num piscar de olhos - dá-lhe Mega-Sena.

O sonhado acesso à Mansão Playboy pede dinheiro, é coisa para abastados. Na sociedade do culto ao corpo e do "ter", nada agrega valor senão títulos. Só não sente dor quem pode pagar para não sentir. O dinheiro não compra tudo, mas faz o paraíso descer à Terra. O ser humano foi criativo quando inventou suas leis, já nos disse "The Playboy Mansion".


Você sabia?


A capa de Pop rendeu questionamentos ao pessoal do U2 após o lançamento. Semanas depois da chegada do álbum, membros da revista Playboy enviaram um fax a produção da banda perguntando por que o famoso "coelho", logo da revista, havia sido incluído na capa do disco. Surpresos com a indagação, os produtores do U2 repararam que se virassem a capa 90º à esquerda, poder-se-ia enxergar o "coelho" da Playboy no olho direito do baterista, Larry Mullen Jr. Apesar da canção "The Playboy Mansion" estar presente no álbum, o detalhe na capa foi meramente acidental. Será mesmo? 

Bom, não custa depois de todo esse lenga-lenga ouvir "The Playboy Mansion".

Até mais!